O Mappin foi um marco na cidade de São Paulo. Criada no início do século passado (1913), era uma enorme loja de departamentos denominada originalmente Mappin Stores; depois passou a chamar-se Casa Anglo-Brasileira S.A.
Situada bem no centro da cidade, em frente ao Teatro Municipal, o Mappin era ponto de encontros – sem desculpas para atrasos, pois o enorme relógio era implacável em seus horários. Muitos romances começaram ou terminaram nas calçadas defronte à loja. E quantas mulheres terão flagrado seus maridos encontrando as amantes em frente ao Mappin?
Seus vários andares disponibilizavam uma infinidade de produtos de todos os tipos e gêneros. Para chegar ao departamento procurado, andar por andar, subia-se de elevador enquanto o ascensorista ia anunciando “Cama, mesa e banho”, ou “Eletrodomésticos, tevês, rádios”, “Faqueiros, louças, talheres”, “Móveis para sala, cozinha, banheiro”… Nunca observei de quanto em quanto tempo trocavam o ascensorista, que tinha de ser muito bom de gogó.
O Mappin possuía também um belíssimo salão de chá. Era comum velhas senhoras se reunirem em grupos de amigas saboreando o chá da tarde com bolachas e outras delicatessen, batendo descontraídos e alegres papos. O salão de chá do Mappin rivalizava apenas com a Confeitaria Vienense, que ficava num velho edifício da Rua Barão de Itapetininga, a duas centenas de metros de distância e que exigia uma subida de elevador com portas pantográficas – provavelmente do Século XiX. Na Vienense havia um casal já muito idoso tocando piano e violino, nós os chamávamos de imortais, pois ficaram anos e anos cumprindo sua missão musical.
O Mappin foi um celeiro de histórias curiosas: certa ocasião, para se desfazerem de um estoque de rádios portáteis (provavelmente os velhos radinhos Spica), um gênio de vendas montou um quiosque bem na entrada da loja com a placa “liquidação a baixo custo” e botou no ouvido o que seria um aparelho de surdez. Cada vez que um cliente perguntava o preço do rádio, o “vendedor” gritava para um colega: “Quanto está o radinho?” Lá de cima vinha a resposta: “Cr$18,00 cruzeiros”. E o “vendedor”, fazendo que não escutara direito, retransmitia ao cliente: Cr$8,00 cruzeiros!”. Limparam o estoque de centenas de rádios em menos de uma hora ao preço anteriormente combinado: CR$8,00 cruzeiros. Eram truques divertidos que fizeram escola.
Lembrei-me dessas histórias quando li na Folha de São Paulo uma reportagem sobre John Williams, de 45 anos, que veio para São Paulo a trabalho para a prova da Fórmula 1 em Interlagos e trouxe na bagagem um pequeno caderno preto com cerca de 40 páginas, o elo que lhe permitiria saber mais sobre Edward Couch, apelidado de Ted, o tio-avô, que veio viver no Brasil nos anos 1910 e que eventualmente voltava à Inglaterra para rever parentes. John viu o tio-avô Ted apenas uma ou dias vezes durante a infância em Londres.
Dois anos atrás, Williams achou o caderno nos pertences da mãe, morta há seis anos. Com algumas páginas se soltando, o caderno é uma espécie de álbum de recordações, recheado de poemas e mensagens escritos entre 1921 e 1928 por amigos de Ted (a maioria mulheres) e desenhos datados de 1922, ano da Semana de Arte Moderna.
Pesquisando, Williams encontrou um registro do tio-avô de 1931, quando a “Folha da Noite” publicou um texto sobre os preparativos da Mappin Stores para o Carnaval. Segundo a Folha de São Paulo, na grafia da época, a reportagem dizia: ‘Desenhamos e confeccionamos fantazias. (…) Attendemos a decoração de qualquer estylo. Para isso, o technico que é Edward Couch, o melhor de nossos vitrinistas, tem sempre maravilhas a mostrar, honrando as medalhas que em vários concursos conquistou”.
Quando Ted chegou ao país, o Mappin, ou Casa Anglo-Brasileira S.A., existia havia cinco anos. Reportagens publicadas nos anos 1930 no “Correio Paulistano” indicam que, durante anos, Edward cuidou dos desfiles de moda da loja.
Em 1945, o “Diário da Noite” registrou que “de avião, seguiu para os EUA o senhor Edward Couch, chefe de confecções femininas da Mappin Stores, afim de tratar de interesses comerciais”.
Williams descobriu também que o tio-avô faleceu em 19 de outubro de 1975, quando já não trabalhava mais no Mappin e o sobrinho-neto não havia ainda completado nove anos.