O prazer do empresário é passar o tempo entre milhares de objetos fabricados muito antes de ele nascer
Localizada no Parque Industrial IV, de Sarandi, a Flaus Indústria e Comércio de Peças é considerada uma das empresas mais modernas da região, vendendo peças de veículos para todos os Estados brasileiros, algumas produzidas com o que há de mais avançado no mundo em termos de tecnologia. Mas, enquanto a indústria investe em modernização, em um barracão anexo acontece o oposto: ali a busca é pela antiguidade, onde quanto mais antigo o objeto, mais valorizado ele é.

Entre as relíquias de Marcos Flausino, as bicicletas se destacam, principalmente as que foram fabricadas antes de ele nascer
O barracão é uma espécie de museu secreto, que existe para o deleite de seu proprietário, o empresário Marcos Flausino Dias, um homem que busca a modernidade e a antiguidade e acha este antagonismo normal. Ao mesmo tempo em que se realiza com a construção de uma peça perfeita em sua indústria, se delicia ao restaurar um objeto antigo, seja um simples ferro a brasa, de passar roupas, seja um veículo importado fabricado no início do século passado em algum país.
O barracão em que está o acervo tem 900 metros quadrados e foi construído especialmente para guardar os objetos que Marcos Flausino restaura. Alto e com parte do teto transparente, durante o dia não precisa de luz elétrica, o piso é azul para destacar os objetos e do teto pendem cabos especialmente para expor as relíquias garimpadas pelo proprietário.
O empresário que dá duro a semana inteira, fazendo contatos com seus representantes e clientes em vários Estados, nos sábados, ao invés de descansar, se entoca em seu barracão arrumando e fichando coisas ou na oficina, onde comanda a equipe de restauração. Os domingos são da família, mas não é raro ‘visitar’ o barracão, inclusive com os três filhos, que também já desenvolvem o gosto pelas antiguidades.
Logo à entrada do barracão, o raro visitante viverá uma volta no tempo. Cerca de 50 ferros a brasa, que as mulheres usaram para passar roupas até meados do século passado, em diferentes modelos, assim como são variados os tipos de lampiões que iluminaram as noites dos brasileiros, panelas, chaleiras, bules esmaltados, fogões a lenha e os primeiros a gás.
Os objetos estão divididos por área de utilização e todos estão devidamente fichados. O proprietário estuda a história e a época de cada objeto e exige que tudo na sua exposição esteja em condições de funcionar. Assim, qualquer fogão pode ser aceso, qualquer bicicleta pode circular nas ruas, qualquer radiola tem que ter bom som.
“Faço isto por paixão. Há uma satisfação pessoal em garimpar antiguidades, em trocar objetos com outras pessoas que têm a mesma paixão”, diz o empresário, que despertou o interesse por antiguidades ao ‘bater um rolo” em 1992, quando trabalhava de vendedor de auto peças em uma empresa de Maringá. “Um rapaz procurou a loja para comprar um cabo de embreagem para uma Vemaguet, que na época já era uma raridade. Não resisti e acabei trocando meu Fusca no carro dele”.
Depois da Vemaguet, carro da DKV fabricado a partir de 1952, vieram outros carros antigos. Mas, a coleção ganhou força depois que Marcos Flausino deixou de ser empregado para ser patrão. Ele descobriu que podia construir peças iguais às que vendia e, com a cara e a coragem, montou uma pequena empresa, desenhava as peças e mandava para algum torneiro, depois comprou seu próprio torno e hoje pode dar-se ao luxo de ser uma das poucas empresas do ramo no Brasil a contar com tornos a raio laser.
Magrelas, carros e carroças
Nos 900 metros quadrados o que mais se vê são bicicletas. Elas flutuam penduradas do teto, estão nas paredes, no chão, em cima de outros objetos; são grandes, pequenas, pequeníssimas, pequeniníssimas, de duas rodas, três, quatro, uma roda pequenininha e outra gigantesca, uma roda roda só, de cores foscas, brilhantes. Algumas usam faróis alimentados por dínamos, outras a luz é conseguida com energia de pilhas, mas tem também as que no lugar de farol carregam lampiões comuns, outras têm a luz com velas e há faróis mantidos a carbureto, aquela pedra que brilha quando é molhada com água.
No salão são mais de 250 bicicletas, todas restauradas e em condições de passear pelas ruas. “A Peugeot é toda original, não foi preciso mexer em nada”, diz orgulhoso. Isto não seria significativo se ela não tivesse sido fabricada em 1900 e já rodava por aí muito antes de existir qualquer uma das cidades da região de Maringá.
“Não consigo explicar o porquê de tantas bicicletas, talvez seja pela facilidade de trocar com outros colecionadores”, diz Flausino. Ele conta que desde pequeno sempre gostou de bicicletas, cresceu sobre elas pelas de Maringá e na mocidade sofreu muito pedalando uma pesada cargueira da Tolardo para fazer entregas de peças. Hoje, só de cargueiras ele tem mais de uma dúzia.
Embora tenha a Peugeot como uma das principais relíquias, Flausino tem outras bicicletas bem mais antigas, entre elas uma Columbia de 1886.
Hoje Flausino tanto pode ser visto em uma reluzente Toyota Hilux quanto em uma não menos reluzente Vemaguet, que é seu ‘carro reserva’, como diz. A Vemaguet divide espaço no salão da Flaus com um pé-de-bode, uma jardineira, um caminhão Ford 1935 V8 e mais uma meia dúzia de carros, todos nascidos muito antes de ser fabricado o primeiro carro no Brasil.
Entre os destaques está uma BMW Romi, ou seja, uma Romiseta da BMW, que fica difícil de saber se é um carro ou uma motocicleta com com cabine.
O colecionador espera com ansiedade o dia em que colocará em funcionamento um Candango velho que está restaurando. Candango é o nome brasileiro do Musga, lançado em 1956 pela alemã DKW e que teve grande aceitação para fins militares.
Casa completa
As velharias de Marcos Flausino estão separadas por setores. Em um lugar coisas de cozinha, em outro de sala, quarto, carros, motos, bicicletas e máquinas que trabalharam no campo na época dos pioneiros, como trilhadeiras, descaroçadores, carroções, carroças com roda de madeira e com pneus.

A Victrola ‘ corda’, do início do século passado, não depende de energia elétrica para rodar discos de 78 rotações por minuto
Um dos orgulhos do colecionador foi a ‘sala’ que conseguiu montar, onde estão alguns dos primeiros televisores fabricados no mundo, rádios de diferentes marcas e modelos, alguns tão antigos quanto a própria radiofonia, e os aparelhos de som. Aparelhos é modo de dizer, porque alguns deles nem sequer têm como alterar o volume, não precisam de energia elétrica, enfim, nada que lembre o que é conhecido hoje, como é o caso da Victrola, fabricada pela Victor (depois RCA Victor) no início do século passado, ainda tocada à manivela para rodar discos de 78 rotações, feitos em cera de carnaúba. O som límpido enche todo o salão com a voz de Vicente Celestino ou Chico Alves em seus primeiros 78rpm.
Lembranças de família
O museu secreto não tem visitação, mas já tem um nome: Flaus Antiguidades. O Flaus é uma homenagem à família Flausino, que chegou a Maringá em meados do século passado. Seu Jorge, avô de Marcos, derrubou muita mata onde a cidade ia crescendo, vendeu dormentes de madeira quando foi implantada a linha férrea. Seu Pedro, filho de Jorge e pai de Marcos, foi motorista da prefeitura de Maringá e mecânico do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). Hoje, os instrumentos de trabalho do desbravador Jorge Flausino estão no Flaus Antiguidades, como o traçador de quase 100 anos, machados, cunhas de aço, ‘periquitas’, que eram ganchos de ferro que prendiam toras para rolá-las e colocá-las em caminhões. Além de conservar objetos da família, foi a forma encontrada por Marcos para homenagear seus antepassados, que deram tanto à região, mas nunca foram lembrados pelas autoridades.